Crianças atirando em cursos de tiro têm gerado polêmica e debates em diversas partes do Brasil. Dois casos recentes, um relatado pelo portal The Intercept e outro pelo portal G1, destacam as preocupações em torno dessa prática.

O clube de tiro BASE Armalite, localizado em Itu, próximo a São Paulo, atraiu atenção ao oferecer cursos e eventos envolvendo crianças a partir de quatro anos.

Conhecido por sediar treinamentos para forças policiais e competições esportivas, o clube buscou abrir suas portas a um público inusitado: crianças em idade pré-escolar. Através de uma parceria com a empresa de recreação infantil Tomits, o clube organizou uma “mini-colônia de férias”, destinada a crianças de quatro a 13 anos.

A relação do clube com o público infantil não é nova, tendo recebido visitas de creches e proposto treinamentos para escolas como uma forma de prevenir ataques em ambientes escolares. A figura por trás do clube, José Schincariol, mantém uma relação próxima com o deputado federal Eduardo Bolsonaro, que expressou apoio à iniciativa e divulgou vídeos de promoção.

Outro exemplo preocupante, está em Jataí (GO) onde o Clube de Caça e Tiro Hunter ofereceu cursos de tiro para crianças, o que gerou preocupações legais e éticas. O clube foi acusado de desrespeitar o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) ao permitir que menores de 14 anos participassem de cursos de tiro, mesmo que as armas fossem de airsoft.

A promotora da Infância e Juventude de Jataí, Patrícia Galvão, destacou que cursos desse tipo não são permitidos para menores, visto que envolvem a formação em tiro e manuseio de armas, mesmo que não letais. Após a recomendação da promotora, o clube suspendeu as aulas por tempo indeterminado e apagou as imagens das redes sociais.

O que diz a Lei?

O G1 entrevistou Pedro Paulo de Medeiros, advogado criminal e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), esclareceu que, de acordo com a legislação, os cursos de tiro em si não são considerados crimes. No entanto, ele ressaltou a importância de uma autorização administrativa que conceda explicitamente o direito às crianças de participarem desses cursos. A ausência dessa autorização pode acarretar penalidades administrativas, incluindo a possibilidade de cassação da licença de funcionamento das instituições envolvidas.

A questão da responsabilidade das instituições é um ponto crítico nessa discussão. Mesmo que as armas utilizadas sejam de pressão, o advogado destacou que isso não exime a instituição de sua responsabilidade. Ele argumentou que o próprio ato de oferecer cursos de tiro para crianças pode incentivar a formação de um viés violento nas mesmas, visto que a legislação proíbe estritamente que crianças tenham contato com armas de fogo.

“É uma arma de pressão por um simples motivo: porque a legislação não permite que criança pegue em arma de fogo. Caso contrário, pode ter certeza que entregariam armas de fogo de verdade”, pontuou o advogado.

Alerta de especialistas

Especialistas em diversas áreas expressaram preocupações sobre os efeitos de tais cursos nas crianças. O antropólogo Robson Rodrigues alertou que tais atividades podem estimular a cultura da violência, contrapondo a necessidade de promover um ambiente pacífico nas escolas e na sociedade. A psicóloga Camila Wolf enfatizou a importância de atividades esportivas que contribuam para o desenvolvimento físico, emocional e social das crianças, afastando-as do contato com armas.

Embora não seja considerado crime ministrar cursos de tiro para crianças, a ausência de autorização administrativa pode acarretar penalidades para os estabelecimentos envolvidos. A discussão em torno dessas práticas traz à tona complexas questões relacionadas à educação, segurança, desenvolvimento infantil e conformidade legal. A controvérsia destaca a necessidade de um debate informado e ponderado sobre como equilibrar a educação preventiva, a segurança das crianças e as implicações éticas e legais associadas a atividades que envolvem armas de fogo, mesmo que simuladas.

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