No Dia dos Pais, enquanto muitos celebram o carinho e a conexão paterna, uma sombra paira sobre a realidade de mais de 12 milhões de famílias brasileiras. Essas famílias enfrentam o que pode ser chamado de “aborto paterno”, uma forma dolorosa de abandono afetivo que afeta profundamente mães e filhos em todo o país. Os números contundentes refletem uma crise emocional e social que não pode ser ignorada.
Atualmente, mais de 5 milhões de brasileiros têm uma lacuna em suas certidões de nascimento – o nome do pai está ausente. Isso se traduz em 11,6 milhões de famílias formadas exclusivamente por mães que enfrentam a jornada de criar seus filhos sozinhas. Esses números, provenientes de fontes confiáveis, são um lembrete doloroso de uma realidade que clama por atenção.
A década passada testemunhou um aumento acentuado nas famílias lideradas por mães no Brasil. O censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relata um salto de 10,5 milhões para 11,6 milhões dessas famílias entre 2005 e 2015. E em 2017, essa estatística cresceu ainda mais, atingindo a marca alarmante de 20 milhões de mulheres vivendo essa realidade, de acordo com a Data Popular. É importante ressaltar que 56,9% dessas famílias encaram a linha de pobreza diariamente.
Dentro desse quadro, as disparidades raciais são evidentes. Enquanto 61% das mães solo são negras, elas enfrentam desafios desproporcionais, desde condições de moradia inadequadas até falta de saneamento básico e acesso limitado à internet. Os números do IBGE são reveladores – 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza, destacando uma desigualdade alarmante que perpetua o ciclo de dificuldades.
A pandemia trouxe à tona ainda mais desafios para essas famílias já vulneráveis. As políticas questionáveis do governo, incluindo o veto presidencial à priorização das mães solo para o auxílio emergencial, agravaram ainda mais a situação. Essas mães, já sobrecarregadas, enfrentam uma batalha árdua durante esses tempos difíceis.
Além das dificuldades financeiras e materiais, o abandono paterno tem efeitos psicológicos profundos nas crianças. Especialistas advertem sobre as consequências de longo prazo dessa ausência, que vai além da sobrecarga das mães. A professora Belinda Mandelbaum, do Instituto de Psicologia da USP, destaca que a falta de um vínculo paterno forte deixa uma lacuna nas crianças, afetando seu desenvolvimento mental e emocional.
O abandono paterno se manifesta de várias formas – material, intelectual e afetiva. A falta de apoio financeiro e educacional afeta negativamente o futuro dessas crianças, com milhões delas fora da escola. O abandono afetivo, talvez o aspecto mais devastador, gera cicatrizes psicológicas profundas. A recente concessão de indenizações a filhos vítimas desse abandono pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) é um sinal de que essa questão está finalmente recebendo a atenção legal que merece.
Em um país onde mais de 5,5 milhões de adultos nunca receberam o reconhecimento de um pai e mais de 57% das mães solo vivem na pobreza, a urgência de abordar essa questão é inegável. O “aborto paterno” é um apelo por mudança, empatia e responsabilidade compartilhada. Somente ao enfrentar essa realidade sombria e trabalhar juntos para mudá-la, podemos oferecer um futuro mais esperançoso para as próximas gerações.