Investigação mostra que possivelmente diretor da agência fez gravação
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou há pouco o sigilo do áudio no qual o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) Augusto Heleno e o ex-diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem conversam sobre o uso ilegal da Abin para espionagem.
Gravação
Durante a reunião gravada, as advogadas de Flávio, Juliana Bierrenbach e Luciana Pires, discutiram formas de obter informações sobre a investigação envolvendo o senador na Receita Federal e no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro).
Na conversa, as advogadas buscaram uma forma de anular a investigação e sugerem que o trabalho poderia ser feito pelo Serpro. Juliana Bierrenbach: “Então, o que eu tenho? Eu não tenho uma prova de que foi feito isso com o Flávio”. Em seguida, Luciana Pires afirma: “A gente quer essa prova”.
Segundo as investigações, a conversa foi “possivelmente” gravada por Ramagem e ocorreu em agosto de 2020. O áudio foi citado no relatório da investigação chamada de Abin Paralela, divulgado na semana passada. Além do áudio, o STF disponibilizou a degravação da conversa feita no processo da Polícia Federal.
Escute a íntegra da reunião aqui
A gravação tem 1 hora e oito minutos e estava sob segredo de Justiça. Segundo a PF, a conversa está relacionada ao uso ilegal da Abin para obter informações sobre inquérito no qual o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi investigado por “rachadinha” quando ele ocupou o cargo de deputado estadual. Em 2021, a apuração foi anulada pela Justiça.
Participaram dessa reunião, além de Ramagem, o então presidente Jair Bolsonaro (PL), o então ministro-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno, e duas advogadas de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), Luciana Pires e Juliana Bierrenbach.
O áudio mostra que as advogadas buscavam meios para anular as investigações de “rachadinha” contra Flávio, em especial por meio do Serpro –estatal que detém os dados do Fisco–, que poderia mostrar acessos ilegais a dados do filho do presidente por servidores da Receita Federal no Rio de Janeiro.
Bolsonaro abraça Alexandre Ramagem na convenção que lançou o ex-chefe da Abin como pré-candidato a prefeito de Rio de Janeiro; à sua esquerda, o senador Leia alguns dos principais trechos do áudio de 1h08min:
“ABIN PARALELA”
Jair Bolsonaro: “Eu não te passei, não. Quem passa as informações para mim é um coronel do exército. Devia ter trocado pelo serviço secreto russo. Esqueci o nome dele aqui. Maziela, Maz… É. Magela, Magela.
Não é possível saber o contexto exato dessa declaração. Bolsonaro também não diz o nome do coronel.
Newsletter Brasília Hoje Receba no seu email o que de mais importante acontece na capital federal *
A TESE DA DEFESA DE FLÁVIO
Luciana Pires [uma das advogadas de Flávio]: “Tudo o que acontece com o Flávio nunca nunca aconteceu com nenhum parlamentar em nenhum lugar, muito menos que o Rio de Janeiro. E a gente descobriu coisas assim, muito graves, a gente chegou à conclusão que o RIF do Flávio foi encomendado”.
A menção é ao Relatório de Inteligência Financeira que embasou as suspeitas de que Flávio cometeu rachadinha em seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
A tese era a de que servidores da Receita Federal no Rio passaram ao Ministério Público dados fiscais sigilosos de Flávio, de forma ilegal.
Com isso, o intuito das advogadas era obter provas disso para poder anular as investigações.
Juliana Bierrenbach [uma das advogadas de Flávio]: “No caso, por exemplo, do Flávio. No caso da Furna da Onça, vocês devem se lembrar que teve uma reportagem da Folha de S.Paulo, depois veio um
advogado, e fez uma, noticiou o crime por conta dos imóveis do Flávio. Logo em seguida, o Ministério público do estado do Rio de Janeiro começou a investigar. Isso não é um modus operandi do Ministério Público, a gente conhece eles, já eles não levariam nem em consideração um negócio desses. A minha tese é que eles fizeram a encomenda disso tudo”.
(…)
“O Serpro consegue levantar todos os acessos que foram feitos antes do início da investigação. Chama apuração especial do Serpro. Segundo o que me informaram.”
BOLSONARO CRITICA DEMAIS INVESTIGADOS NA OPERAÇÃO FURNA DA ONÇA, DO RIO
Jair Bolsonaro: “O maior culpado na Furna da Onça etc, é o Flávio.”
Juliana Bierrenbach: “É verdade? É isso?”
Luciana Pires: “Ele é o maior culpado. Ele é o único culpado.”
Jair Bolsonaro: “Os demais então tão tranquilo. Aquele de quarenta e nove milhões, ele
representa a Alerj [não cita o nome].”
ADVOGADAS CITAM CAMINHOS VIA GSI OU SUPREMO
Luciana Pires: “Qual seria a outra opção que a gente poderia fazer sem ser através da GSI?
Eu entrar com uma reclamação no Supremo. Porque a forma, em tese, o relator é o Gilmar Mendes. É temerário. Eu não sei qual a relação que ele tem com essas pessoas. Eu já não sei de mais nada, tá? Eu
acho que ele vai deferir. Não tem como ele não deferir.”
(…)
Alexandre Ramagem: “Isso é bastante robusto. Qualquer que seja um ministro do STF, ele vai
abraçar essa causa. Nessa questão, abraça sim.”
Luciana Pires: “Desculpa, desculpa. Flávio me falou pra eu não fazer isso, porque ele acha
temerário.”
Alexandre Ramagem: “Se vier pela via do GSI, não é o mais correto. Por quê? Porque são dados
diferentes, de inteligência, dados ordinais.” (…) Esses são dados é, fiscais e bancários que eles vão colocar como sigilo. Então o GSI não vai ter acesso, por uma barreira da própria Ministério da economia. O próprio ministro Paulo Guedes não vai poder estar do lado.”
BOLSONARO DIZ QUE VAI FALAR COM O CHEFE DA RECEITA FEDERAL E COM O SERPRO
Jair Bolsonaro: “É o caso de conversar com o chefe da Receita. Ele tá pedindo é um favor.”
Luciana Pires: “Não é favor não, presidente.”
Jair Bolsonaro: “Ninguém tá pedindo favor aqui. [inaudível] é o caso conversar com o chefe
da Receita. O Tostes.
(…)
Jair Bolsonaro: “É o zero um dos caras. Era ministro meu e foi pra lá. Sem problema nenhum. Sem problema nenhum conversar com ele. Vai ter problema nenhum conversar com o Canuto.”
Luciana Pires: “Serpro? Então, ótimo.”
A referência é possivelmente a Gustavo Canuto, que até fevereiro de 2020 era ministro de Desenvolvimento Regional. Depois, ele assumiu a presidência da Dataprev, a empresa de tecnologia e informações da Previdência.
Não fica claro se Bolsonaro confundiu o Serpro com a Dataprev, já que em toda a reunião a demanda das advogadas ao presidente era para que o Serpro fosse acionado.
“Fala com o Canuto pra saber do Serpro”, diz Ramagem em determinado ponto da reunião, mas sem se alongar em detalhes. A gravação tem partes inaudíveis, o que dificulta em parte o entendimento do exato contexto.
Juliana Bierrenbach: “Se você pede a apuração especial do Serpro, aparecem todos esses acessos que foram feitos, ou seja, você demonstra que não houve uma investigação como deveria ser feita. É uma investigação completamente ilegal, inconstitucional e passível de nulidade de todos os pontos. Todos os pontos a gente consegue anular, entende?”
Em nota, Canuto disse que ninguém o procurou para falar sobre esse assunto. “Adicionalmente, gostaria de esclarecer que eu era presidente da Dataprev, não do Serpro. Os sistemas da Receita Federal do Brasil são mantidos pelo Serpro, não pela Dataprev.”
BOLSONARO FALA QUE NINGUÉM ESTÁ PROCURANDO ‘JEITINHO’
Augusto Heleno: “Tentar alertar ele que, ele tem que manter esse troço fechadíssimo. Pegar de gente de confiança dele. Se vazar [inaudível].”
Jair Bolsonaro: “Tá certo. E, deixar bem claro, a gente nunca sabe se alguém tá gravando alguma coisa. Que não estamos procurando favorecimento de ninguém.”
(…)
“Ninguém gosta de tráfico de influência. A gente quer fazer [inaudível].”
(…)
“Nenhuma pessoa aqui, fez qualquer conversa pra vamo dar um jeitinho. Nada, nada, nada.”
WITZEL TERIA PEDIDO A BOLSONARO VAGA NO STF
Jair Bolsonaro: “Olha só, eu fiquei sabendo que o Witzel ele já montou o Ministério dele pra vinte e três”.
O ano passado, no meio do ano, encontrei com o Witzel, não tive notícia [inaudível] bem pequenininho o problema. Ele falou, resolve o caso do Flávio. Me dá uma vaga no Supremo.”
(…)
“Então, você sabe o que que vale você ter um ministro irmão teu no supremo. É o Flávio Itabaiana [inaudível] é o Flávio Itabaiana [juiz que era o responsável pela investigação do caso da rachadinha].
Witzel negou o relato e disse que Bolsonaro deve ter tido alguma “confusão mental”