Análise: Disputa de legado marca os 100 anos de PCB
Por: Luiz Carlos Azedo
Diáspora comunista fez com que velhas ideias defendidas pelo antigo Partidão estejam por aí na política brasileira, vivíssimas, das mais ortodoxas às mais revisionistas
O velho Partidão completaria, nesta sexta-feira (25/3), 100 anos de fundação. Surgiu em março de 1922, com o nome de Partido Comunista do Brasil (PCB), alterando o nome para Partido Comunista Brasileiro, sob comando de Luiz Carlos Prestes, em 1961, e Partido Popular Socialista (PPS), em 1992, sob liderança de Roberto Freire. Essas mudanças provocaram dois grandes rachas, dos quais surgiram os atuais Partido Comunista do Brasil (PCdoB), em 1962, encabeçado por João Amazonas, e o novo Partido Comunista Brasileiro (PCB), liderado por Ivan Pinheiro, que conseguiu seu registro em 1996. Em 2020, o PPS fez nova mudança, passando a se chamar Cidadania, para incorporar ideias social-liberais e fazer uma ruptura definitiva com o passado comunista.
Entretanto, os três partidos comemoram o centenário, cada qual com uma narrativa própria, que resgata uma fatia do seu legado. O PCdoB realiza um festival de música no Caminho Niemeyer, em Niterói, no estilo das antigas festas dos jornais comunistas. O PCB realiza um ato na Associação Brasileira de Imprensa (ABI). O Cidadania promove um seminário e homenageia antigos militantes e os dirigentes “desaparecidos” durante o regime militar, na Faculdade de Direito de Niterói (UFF). O PCB foi fundado naquela cidade, por Astrojildo Pereira.
Em 1982, o poeta Ferreira Gullar resumiu: “Eles eram apenas nove: o jornalista/ Astrojildo, o contador Cordeiro,/o gráfico Pimenta, o sapateiro José Elias, o vassoureiro/Luís Peres, os alfaiates Cendon e Barbosa/ o ferroviário Hermogênio/ e ainda o barbeiro Nequete/ que citava Lênin a três por dois/ Em todo o país,/ eles não eram mais de setenta/Sabiam pouco de marxismo/ mas tinham sede de justiça/ e estavam dispostos a lutar por ela…” Segundo Gullar, “o PCB não se tornou o maior partido do Ocidente/ nem mesmo do Brasil/Mas quem contar a história de nosso povo e seus heróis/ tem que falar dele/ Ou estará mentindo”.
O PCB não surgiu de uma corrente socialista ou social-democrata, demorou a ser aceito pela III Internacional e sofreu sucessivas intervenções do Cominter, que resultaram no afastamento de alguns dirigentes históricos, entre os quais o próprio Astrojildo Pereira. Essa tensão entre os soviéticos e o PCB foi permanente, mas não impediu seu alinhamento em automático quando houve a invasão na antiga Tchecoslováquia, em 1968.
Crises políticas
Ex-capitão do Exército, à frente da coluna rebelde que levou seu nome, Prestes percorreu o Brasil entre 1925 e 1927, combatendo as tropas dos governos Artur Bernardes e Washington Luís. Foram 25 mil quilômetros de marcha. Procurado por Astrojildo na Bolívia, onde a coluna havia se internado, para evitar a rendição, Prestes aderiu ao comunismo.
Em novembro 1935, Prestes liderou um levante militar sem chance de dar certo, por falta de apoio popular e militar, que se tornaria o mito fundador da “ameaça comunista” no Brasil. Ficou preso por nove anos, sua esposa Olga Benário, uma judia alemã, foi deportada e executada num campo de concentração nazista, no qual dera à luz a historiado Anita Prestes, sua filha. Nada disso impediu que Prestes apoiasse o governo Vargas para que o Brasil entrasse na II Guerra Mundial contra o nazifascismo. Libertado em 1945, foi eleito o senador mais votado do país. Seu mandato, porém, foi cassado, juntamente com o registro da legenda, em 1947, em razão da guerra fria. O PCB voltou à ilegalidade, da qual somente sairia em 1985.
Em 1964, Prestes e o PCB serviram de pretexto para o golpe militar. Uma declaração infeliz sobre a participação dos comunistas no governo João Goulart e o fato de estar articulando a reeleição de Jango foram explorados pelos generais que tomaram o poder. O PCB estava isolado, embora fosse hegemônico na esquerda brasileira, cuja atuação política viria a influenciar até hoje, a partir de uma ideia-força: a da revolução brasileira.
Desde os debates sobre agrarismo e industrialização, nas décadas de 1920 e 1930, protagonizados por Astrojildo Pereira, Otávio Brandão e Heitor Ferreira Lima, o desenvolvimento nacional esteve no centro das preocupações do PCB. O debate sobre a superação do atraso econômico por uma via democrática, porém, esbarrava nos dogmas comunistas e confrontava o sonho de uma revolução socialista. Por isso, ao longo dos anos, intelectuais, dirigentes e militantes renovadores deixaram o PCB.
Essas divergências se acentuaram a partir de 1958, quando o PCB assumiu o compromisso com a democracia. Primeiro, houve a dissidência maoísta do PCdoB. Depois de 1964, Carlos Marighella e outros dirigentes adotaram a luta armada contra o regime militar; surgiram o MR-8, a ALN e o PCBR. Alguns remanescentes desses agrupamentos, mais tarde, se incorporariam ao Partido dos Trabalhadores. Na década de 1980, Prestes rompeu com o PCB e ingressou no PDT. Setores identificados com o “eurocomunismo” derivaram ao PSol e ao PSDB. A diáspora comunista faz com que velhas ideias defendidas pelo antigo Partidão estejam por aí, vivíssimas, das mais ortodoxas às mais revisionistas. A mais importante é a política de frente ampla em defesa da democracia, adotada com êxito contra o regime militar.