As mãos algemadas quase sempre são negras: Tirando a névoa da hipocrisia sobre a descriminalização das drogas; por Alana Yaponirah

 

O consumo de drogas na humanidade mesmo considerado um tabu, existe desde os primórdios. São inúmeros exemplos em que substâncias como haxixe, ópio, ou Cannabis estiveram presentes em todas as civilizações. Seja ela para uso ritualístico religioso, ou até mesmo de forma recreativa.  Em 2020, foram encontradas as primeiras evidências diretas de consumo humano de maconha como uma droga em um cemitério de 2,5 mil anos atrás na Ásia Central. Em outro estudo Cannabis é encontrada em templo judeu de mais de 2 mil anos.

Vivemos no país mais ansioso do mundo, que consumiu só em 2018 mais de 56 milhões de caixas de calmantes e ansiolíticos. Esses dados dispararam no período de isolamento social durante a pandemia.

Fechar os olhos para o consumo (regularizado ou não) de drogas e não reconhecer como uma questão urgente de saúde pública que em sua imensa maioria mata ou prende apenas pessoas negras e pobres é a mais pura hipocrisia, além de mostrar uma das formas mais cruéis de racismo. De acordo com dados do Infopen de junho de 2020, a porcentagem de pessoas negras presas por tráfico de drogas no Brasil é de 64,2%. A população carcerária brasileira cresceu 707% nos últimos anos muito especialmente em razão da Lei de Drogas

O Brasil que agora tem as mínimas condições democráticas de forma menos extremista, trazer a luz um tema importantíssimo para a sociedade em termos de segurança, saúde e econômico. Não pode mais retroceder em questões como essa.

Após 8 anos o SFT retomou a votação no último dia (02) a polêmica descriminalização do uso de drogas. A descriminalização do porte começou a ser analisada em 2015. O caso em questão é um recurso contra a condenação de um homem flagrado com 3 gramas de maconha, enquadrado no Artigo 28 da Lei das Drogas.  A controvérsia está em saber se o usuário causa algum dano à sociedade ao consumir substância ilícita e se cabe ao Estado interferir na escolha individual de consumir uma substância sem ferir o direito à privacidade. As penas para o Artigo 28 são brandas e incluem medidas educativas.  O relator do caso, ministro Gilmar Mendes, argumenta que a conduta do usuário de drogas não é crime e que criminalizar a conduta resulta em estigmatização, prejudicando os esforços de redução de danos e prevenção de riscos. O ministro Edson Fachin concorda que o consumo de drogas faz parte da autodeterminação individual. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou a favor da descriminalização do porte de maconha para consumo pessoal. Ele propôs que seja considerado usuário quem portar entre 25 a 60 gramas de maconha ou seis plantas fêmeas de Cannabis. Moraes avaliou que a lei aumentou o número de presos por tráfico de drogas e gerou “um exército para as facções criminosas”. O ministro informou que dados oficiais mostram que 25% dos presos no Brasil (201 mil) respondem por tráfico de drogas.

Os ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Gilmar Mendes também se manifestaram a favor da descriminalização da posse de drogas, mas em extensões diferentes.

“Estamos lidando com um problema para o qual não há solução juridicamente simples nem moralmente barata.” Ministro Barroso

Vale salientar aqui de forma didática, as razões para a defesa da descriminalização, além da diferença com a legalização.

Quais são os benefícios da descriminalização das drogas?

Alguns dos benefícios que são frequentemente citados incluem:

  1. Redução da superlotação nas prisões: Com a descriminalização das drogas, as pessoas que são presas por posse ou uso de drogas não seriam mais encarceradas, o que ajudaria a reduzir a superlotação nas prisões.
  2. Economia de recursos: A descriminalização das drogas também poderia ajudar a economizar recursos do sistema judicial e policial, que atualmente são gastos para combater o tráfico e o uso de drogas.
  3. Redução da violência: A descriminalização das drogas poderia ajudar a reduzir a violência relacionada ao tráfico de drogas, uma vez que o mercado negro seria reduzido.
  4. Melhoria da saúde pública: A descriminalização das drogas poderia permitir que as pessoas que usam drogas tenham acesso a tratamentos de saúde e reduzir o risco de doenças transmitidas pelo uso de drogas injetáveis.

Diferença entre descriminalização e legalização

A descriminalização das drogas significa que o uso e a posse de drogas para consumo pessoal deixariam de ser considerados crimes, mas ainda seriam proibidos por lei e sujeitos a sanções administrativas, como multas e apreensão da substância.

Já a legalização das drogas implica na regulamentação da produção, venda e consumo, tornando-os legalizados e permitidos.

 Como é em outros países

Ao menos 30 países do mundo promoveram algum tipo de permissão para o porte e o consumo de drogas. Além de Portugal, Uruguai e alguns estados norte-americanos, também adotaram certo grau de liberação países tão diversos como Quirguistão, Espanha e África do Sul.

Em parte desses países – como na Argentina, Colômbia e Polônia, entre outros – a flexibilização para o porte e o consumo de drogas ocorreu por decisão judicial. Em outros – como em estados dos EUA, em Portugal e no Uruguai foi o Legislativo que atuou para legalizar e estabelecer regras para o porte e o uso de drogas ilícitas.

Países como República Tcheca e Suíça possuem regras específicas para maconha, enquanto outros, entre eles a Estônia, flexibilizam o porte de qualquer substância.

Há ainda países como a Holanda, em que a solução foi informal, sendo uma política oficial das autoridades policiais não atuar contra o consumo de pequenas quantidades de drogas.

Em outros, como na Alemanha e no México, foram os órgãos acusadores, equivalentes ao Ministério Público brasileiro, que resolveram não mais abrir processos criminais relacionados ao consumo de pequenas quantidades. Espanha: a posse de drogas para uso pessoal foi descriminalizada em 1982 e em 2000, a lei foi reformada para incluir medidas de prevenção e tratamento.

 

O Uruguai emergiu como líder, ao ser o primeiro a legalizar a venda e o uso recreativo da planta. Esse passo audacioso não apenas impactou o mercado ilegal, mas também permitiu que os fundos provenientes dos impostos fossem canalizados para programas de prevenção e tratamento de dependência. Essa abordagem regulamentada e controlada tem mostrado potencial para romper os ciclos viciosos associados ao mercado negro de drogas.

Uso medicinal

O uso da Cannabis medicinal no Brasil foi regulamentado pela Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2019. Desde então, 18 medicamentos feitos a partir da planta foram aprovados e o acesso a eles, facilitado. Mas ainda é preciso seguir alguns passos para comprá-los e o preço também pode ser um obstáculo. Nações como Canadá, Israel e vários estados dos EUA avançam na legalização da maconha para fins terapêuticos. Com regulamentações rígidas e pesquisas robustas, essas jurisdições têm fornecido alívio a pacientes que sofrem de condições debilitantes. A maconha tem sido uma tábua de salvação para indivíduos com epilepsia refratária e dor crônica, trazendo qualidade de vida onde antes havia apenas sofrimento.

Naturalmente, a discussão sobre a descriminalização não é destituída de desafios. Não se pode esperar resultados diferentes com base em ações iguais. Está claro que a política de repressão e encarceramento fracassou. A discussão sobre a descriminalização da maconha e de outras drogas não é mais um debate marginal; é uma reflexão essencial sobre como melhor garantir a saúde pública, os direitos individuais e a segurança e principalmente na luta antirracista.

 

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