No voto de 13 horas, ministro diverge de forma contundente de Moraes e Dino e exime o ex-presidente dos crimes imputados pela PGR. Magistrado refuta, inclusive, a tentativa de golpe, tese que nem os advogados adotaram. Ele defende a anulação do julgamento
Em um voto controverso, que tomou duas sessões da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) — começou pouco depois das 9h e foi até quase as 23h desta quarta-feira —, o ministro Luiz Fux divergiu dos ministros Alexandre de Moraes (relator) e Flávio Dino e absolveu o ex-presidente Jair Bolsonaro de todos os cinco crimes imputados pela Procuradoria-Geral da República (PGR), inclusive o de tentativa de golpe de Estado. O magistrado se manifestou pela nulidade total do processo na Corte, considerada por ele como incompetente para analisar o caso. Com isso, o placar está em 2 x 1 para a condenação do ex-chefe do Executivo. Com o voto de Fux, porém, já há maioria para condenar outros dois réus, o ex-ministro Braga Netto e o tenente-coronel Mauro Cid por abolição violenta do Estado de Direito (leia reportagem na página ao lado). A sessão será retomada nesta quinta-feira, com voto da ministra Cármen Lúcia e do ministro Cristiano Zanin, presidente do colegiado.
Um momento que chamou a atenção nas sessões desta quarta-feira foi quando Fux negou, inclusive, que houve golpe, algo que não foi dito nem mesmo pelos advogados dos oito réus. Ele chegou a comparar os atos extremistas 8 de janeiro de 2023 — que culminaram na depredação dos prédios dos três Poderes — com as manifestações de junho de 2023, que reuniu os chamados black blocks, com depredação prédios públicos. Naquela época, porém, nenhum manifestante pediu a intervenção militar nem interferência no processo eleitoral, como ocorreu nas ações golpistas dos apoiadores Bolsonaro.
Apesar de esperaram divergência do colega, os outros integrantes do Supremo viram com espanto o tom adotado por Fux no julgamento, pois ele votou pelo recebimento da denúncia da PGR e para transformar em réus todos os núcleos da trama golpista.
Em março, a Primeira Turma reconheceu que havia toda a materialidade necessária para a abertura da ação penal. Flávio Dino, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin seguiram integralmente o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes. Em avaliações anteriores, Fux também entendeu por validar a competência da Corte em julgar os acusados do 8 de Janeiro. Desde 2023, o STF já condenou mais de 400 pessoas, inclusive, com o voto do magistrado.
Assassinatos
Nas sessões desta quarta-feira, Fux também disse que tampouco há provas do conhecimento de Bolsonaro sobre a Operação Punhal Verde e Amarelo, cujo objetivo, segundo a PGR, era assassinar Moraes, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o vice Geraldo Alckmin. “Apesar de o Ministério Público afirmar que Mário Fernandes (general que comandava a Secretaria de Governo e que foi apontado como articulador da operação) imprimiu três cópias do planos, o IPJRA 44 de 2024 indica que apenas uma cópia foi impressa com base nos logs de impressão. De qualquer sorte, as provas apresentadas pela acusação são insuficientes para demonstrar, afastando qualquer dúvida razoável, que essa minuta chegou a ser apresentada a Bolsonaro, muito menos que tenha contado com a sua anuência”, argumentou.
O magistrado também questionou o conteúdo da minuta golpista entregue a Bolsonaro pelo assessor Filipe Martins. “Seu conteúdo não veio aos autos”, alegou. “Não há amparo que corrobore acusação de que minuta previa medidas de intervenção nos demais Poderes. Uma minuta sem conteúdo definido, que foi modificada, não pode ser considerada ato executório de crime nenhum”, rebateu.
Ele votou também para afastar o delito de organização criminosa. Segundo destacou, não há provas nesse sentido e “não se pode banalizar o conceito de crime organizado”. “A imputação do crime de organização criminosa exige mais que a reunião de vários agentes para a prática de delitos”, acrescentou. “A pluralidade de agentes ou existência de plano delitivo não tipificam, por si só, os crimes de associação ou organização criminosa.”
O ministro ainda disse não haver prova de dano qualificado ao patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado, imputados a Bolsonaro por causa das depredações do 8 de janeiro. Crime, segundo ele, “cometidos por terceiros com os quais não possui (o ex-presidente) qualquer relação, tão somente por ter proferido palavras e falas genericamente consideradas como incentivo à ruptura institucional”.