Brasil e Estados Unidos, enfim, negociarão tarifas

Mauro Vieira e secretário de Estado americano, Marco Rubio, reúnem-se nesta quinta-feira, em Washington, para discutir taxas impostas a produtos brasileiros. Lula mostra confiança em uma virada diplomática. Segundo ele, “pintou uma indústria petroquímica” com Trump

O chanceler Mauro Vieira e o secretário de Estado dos Estados Unidos, Marco Rubio, reúnem-se nesta quinta-feira em Washington para negociar a aplicação de tarifas contra produtos brasileiros. A data foi confirmada nesta quarta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Vieira está na capital americana desde segunda-feira para o encontro, marcado na semana passada durante ligação de 15 minutos entre os dois ministros. A reunião é considerada preparatória para uma bilateral entre Lula e o presidente norte-americano, Donald Trump, prevista para o fim do mês, durante a Cúpula da Asean, na Malásia, e pode abrir caminho para uma redução das taxas impostas ao Brasil. A negociação entre Vieira e Rubio será o primeiro contato formal entre autoridades de ambos os países desde a conversa entre Lula e Trump. Um dia antes do encontro, porém, autoridades americanas voltaram a disparar críticas contra o Judiciário brasileiro.

“Ele (Trump) me ligou, e eu falei: ‘Presidente, eu queria estabelecer uma conversa sem liturgia. Estou fazendo 80 anos hoje. Você vai fazer 80 anos no dia 14 de julho — porque eu tinha pesquisado. Significa que eu sou oito meses mais velho do que você. Então, vamos nos tratar de você, sem liturgia’. E aí eu comecei a falar o que eu achava que deveria ter falado. Não pintou uma química, pintou uma indústria petroquímica. Amanhã (esta quinta-feira) vamos ter a conversa de negociação”, discursou Lula, durante solenidade para a abertura do sistema de solicitação da Carteira Nacional Docente do Brasil (CNDB), no Rio de Janeiro (leia reportagem na página 5).

O chefe do Executivo fez referência ao breve encontro com Trump durante a Assembleia das Nações Unidas, em setembro. Foi a primeira vez que os dois se falaram. Logo depois, o republicano disse que teve uma “excelente química” com Lula, e anunciou o início das negociações entre EUA e Brasil. Alguns dias depois, os dois líderes conversaram por telefone e combinaram um encontro presencial, ainda não confirmado.

O contato marcou uma virada nas relações diplomáticas, que só se deterioraram após Trump assumir o cargo, no início deste ano. Desde que os Estados Unidos impuseram sobretaxa de 50% sobre produtos brasileiros e sanções contra integrantes do Executivo e do Judiciário, como o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), praticamente não houve contato entre autoridades dos dois países.

Após a conversa entre Lula e Trump, os ânimos esfriaram, e os dois lados pararam de fazer ataques públicos. Até esta quarta-feira. Em coletiva de imprensa, o representante dos Estados Unidos para Comércio, Jamieson Greer, afirmou que a sobretaxa imposta “está relacionada com preocupações extremas sobre o Estado de Direito, censura e direitos humanos no Brasil, onde um juiz brasileiro decidiu, por si só, ordenar que empresas dos Estados Unidos se autocensurem, dar a elas ordens secretas, controlar o fluxo de informações; o Estado de Direito em relação aos adversários políticos no Brasil”, frisou Greer. Ao seu lado, o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent, acrescentou: “E a detenção ilegal de cidadãos americanos no Brasil”.

Pressão

O objetivo do governo brasileiro é remover as tarifas, ou ao menos aumentar a lista de exceções, que conta com mais de 700 itens. Produtos como o café e a carne aumentaram consideravelmente de preço no mercado americano após as tarifas, provocando pressão de empresários dos EUA sobre o governo Trump. Já o lado americano pode buscar acordos para a exploração de terras raras e a redução de taxas sobre o etanol dos EUA, por exemplo.

Há expectativa, porém, de que o governo americano pressione o Brasil também em assuntos políticos. Durante reunião na Casa Branca com o presidente da Argentina, Javier Milei, Trump voltou a fazer disparos contra o Brics, bloco que chamou de “um ataque ao dólar”. Nessa linha, os Estados Unidos devem cobrar que o governo brasileiro deixe de lado os planos para a criação de um sistema de comércio independente da moeda norte-americana. O Brasil também descarta qualquer tipo de negociação que envolva interferências estrangeiras no sistema Judiciário ou em outras instituições, e quer manter as conversas no âmbito comercial.

Rubio foi apontado por Trump como o principal negociador do lado americano. Ele ocupa um cargo equivalente ao de ministro das Relações Exteriores. Já no Brasil, as conversas são lideradas pelo vice-presidente Geraldo Alckmin, por Mauro Vieira e pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Por sinal, Haddad planejava estar em Washington na semana que vem, onde também tentaria avançar nas negociações. Porém, o titular cancelou a viagem após a derrota do governo com a Medida Provisória (MP) 1.303, alternativa ao aumento do IOF para garantir arrecadação. Havia uma conversa esperada entre o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro americano, Scott Bessent.