Na Câmara, o clima é de tensão. O presidente Hugo Motta negou que os dois projetos estejam vinculados, mas admite que precisa medir a “temperatura” da Casa antes de confirmar a pauta do PL da Dosimetria
Apesar de o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ter anunciado a votação da proposta do IR nesta quarta-feira (1º/10), nos bastidores da Câmara a articulação do relator da PEC da Dosimetria, Paulinho da Força (Solidariedade-SP), para incluir os dois temas no mesmo pacote de negociação pode criar um novo impasse que atrase a votação.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já classificou como uma “loucura” a tentativa de parte do Centrão de vincular a votação da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) ao projeto que reduz as penas dos condenados pela tentativa de golpe de 8 de janeiro de 2023, entre os quais o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão.
Atrelar uma medida de justiça tributária, como a elevação da isenção para rendimentos de até R$ 5 mil, à redução das penas tira o sono da equipe econômica. No sábado, Haddad manifestou inconformismo para a situação: “Nem me passa pela cabeça que isso possa estar sendo discutido. Você vai submeter um projeto de justiça social a isso? Vota com a consciência no IR, defende a bandeira que quiser, mas não dá para vincular as duas coisas”, afirmou.
Na Câmara, o clima é de tensão. O presidente Hugo Motta negou que os dois projetos estejam vinculados, mas admite que precisa medir a “temperatura” da Casa antes de confirmar a pauta do PL da Dosimetria. O relator Arthur Lira (PP-AL) articula um desconto para quem ganha até R$ 7.350 e uma alíquota progressiva de até 10% para rendimentos acima de R$ 600 mil por ano, ou seja, acima da proposta do governo.
Centrão
O problema é que o Centrão também manobra para atrelar a votação do aumento da isenção do IR à aprovação da PEC da Dosimetria. Relator da matéria, Paulinho da Força, escolhido para negociar uma alternativa à anistia rejeitada pelo Senado não esconde que a preocupação central é com Bolsonaro: “Lógico, o projeto vai reduzir as penas do núcleo central do chamado golpe, inclusive do Bolsonaro”. Fala-se em reduzir a condenação do ex-presidente a 2 anos de prisão domiciliar. Paulinho admite propor algo entre 7 e 11 anos.
A discussão sobre dosimetria, no entanto, divide o PL. Uma ala, próxima ao Centrão, defende a redução como forma de viabilizar prisão domiciliar para Bolsonaro, mas o núcleo duro — liderado por seus filhos — rejeita qualquer meio-termo. O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), líder da bancada, reforça: “Queremos votar anistia. Com relação à dosimetria, ele tem o mesmo pensamento que eu: não cabe ao Congresso Nacional, cabe ao Poder Judiciário”.
As divergências internas revelam a fragmentação da oposição e o desgaste da estratégia do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que está nos Estados Unidos articulando sanções contra ministros do Supremo. Bolsonaristas mais radicais ainda insistem em anistia irrestrita, mesmo diante da resistência do Senado e do Supremo. “Só aceitamos anistia total, geral e irrestrita, que pode pacificar o Brasil e soltar os injustiçados por um tribunal politizado”, disse o deputado Bibo Nunes (PL-RS).
Bolsonaro
Valdemar esteve com Bolsonaro e tentou persuadi-lo a aceitar a proposta de Paulinho da Força, com a promessa de que a pena cairia para patamares entre quatro e oito anos — o que permitiria o cumprimento em prisão domiciliar. O ex-presidente, no entanto, reiterou que não autoriza qualquer articulação nesse sentido. Para ele e seus filhos, aceitar a redução significaria admitir culpa e minar a narrativa de perseguição política.
Do lado do Centrão, a avaliação é pragmática: depois da rejeição da PEC da Blindagem no Senado, dificilmente haverá clima político para aprovar uma anistia ampla. Assim, a dosimetria seria uma saída intermediária que poderia contar com apoio de parte das bancadas do PSD e do União Brasil. A estratégia é usar a isenção do IR como moeda de pressão sobre o governo, garantindo apoio em troca de concessões na pauta penal.
Hugo Motta negou a vinculação entre os dois projetos, mas mantém conversas reservadas para medir a viabilidade de votação da dosimetria. Seu desafio é administrar a pressão de Arthur Lira, que quer entregar a vitória do IR ao governo, sem perder o apoio da base conservadora que exige uma saída para Bolsonaro.