Fazer transferência off-line, agilizar processos de compra e venda de imóveis e facilitar pagamentos internacionais estão entre os nove projetos selecionados pelo laboratório de inovação do Banco Central (BC) que trabalha em soluções para o real digital, que deve ser lançado em 2024.
O real digital é uma representação virtual da moeda que circula na economia brasileira. O projeto surgiu na esteira global: o crescimento das criptomoedas instigou bancos centrais de todo o planeta a desenvolverem suas próprias moedas digitais.
Os primeiros projetos foram selecionados com os trabalhos do Lift Challenge realizado pela Federação Nacional das Associações de Servidores do Banco Central (Fenasbac) em conjunto com o BC começaram neste mês e reúnem projetos de várias instituições, como Itaú, Santander, Tecban, Visa e Mercado Bitcoin.
O Real Digital terá o mesmo valor e poderá ser livremente convertida em depósitos bancários, no papel-moeda e poderá ser utilizada em compras, pagamento de contas e transferências pessoais, assim como o real convencional. A principal diferença é que ela poderá ter novas funções que estão sendo desenvolvidas, ampliando aplicações que não são possíveis com o real “convencional”.
A intenção, segundo Rodrigoh Henriques, diretor de inovações financeiras da Fenasbac, é que ao final do período do Lift em fevereiro do ano que vem, as propostas alcancem o estágio de um Mínimo Produto Viável (MVP, na sigla em inglês), ou seja, um produto que entrega o que promete, apesar de não estar completo.
— Ele ainda não é o produto, ele ainda não foi lançado, mas a sensação é que, mesmo não estando completo, se eu lançasse amanhã alguém ia se beneficiar. As pessoas iam dizer, pode melhorar aqui, ali, mas ele está funcionando — disse.
Duas transações em uma
Depois desse período, o BC vai selecionar projetos para avançar para a fase de pilotos que durará até o segundo semestre de 2024. O objetivo é que os projetos passem por testes com clientes em escopo reduzido para validar as ideias em ambiente próximo do real.
O projeto apresentado pelo Santander que tenta facilitar o processo de compra e venda de um imóvel ou veículo foi um dos selecionados. A premissa é de converter o direito de propriedade em um formato digital e por meio de um smart contract (contrato inteligente) possibilitar que o pagamento e a transferência da titularidade da propriedade aconteçam ao mesmo tempo.
Jayme Chataque, superintendente executivo de Tecnologia e Operações do Santander, aponta que o banco tem um mercado relevante no mercado imobiliário e de financiamento de automóveis e esse projeto tornaria a transação de propriedade mais eficiente.
— Por exemplo, é possível dizer que aquele valor de transação do automóvel só estará disponível quando mudar o nome do proprietário. Você transforma duas transações paralelas em uma só — afirmou.
Outro dos grandes bancos que participam do processo, o Itaú trabalha em uma proposta que usa o real digital para facilitar as transferências internacionais entre Brasil e Colômbia. Os detentores das moedas poderiam trocar as moedas simultaneamente, facilitando o câmbio entre o peso e o real.
Inovação e novos mercados
O projeto da TecBan, empresa por trás do Banco24 horas, tem como objetivo criar uma rede de armários programáveis que servirão de pontos seguros para entrega de produtos, pois só serão abertos com pagamentos por meio da moeda digital que tenha a programação correta.
Luiz Fernando Lopes, gerente de Plataformas Digitais na TecBan, explica que o armário se comunica com o comprador por meio de um contrato inteligente e o usuário é notificado que pode retirar o produto. Em posse da moeda digital, quando o armário se abrir, o valor é creditado para a conta do vendedor. A expectativa é que melhore a confiança nas transações on-line.
— Outro ponto é a questão do nosso país ainda ter muitos locais que a logística do e-commerce a logística não entrega, dentro de comunidades, por exemplo, locais mais sensíveis por questões sociais, segurança. Eu consigo colocar esses lockers próximos de comunidades e faço a inclusão desse perfil de usuário também — disse.
Um mercado novo que também pode se beneficiar do Real Digital é o de criptomoedas e o Mercado Bitcoin foi um dos selecionados para acelerar seu projeto que procura trazer mais segurança e eficiência para transações financeiras.
O CEO do Mercado Bitcoin, Reinaldo Rabelo, explica que a ideia é criar um stablecoin, uma moeda digital própria com valor atrelado ao Real, e utilizar para compra de ativos financeiros reais, como precatórios ou recebíveis sem a necessidade de um intermediário, como a bolsa, por exemplo.
— De um lado tenho a stablecoin que é um token que vale 1 real, do outro lado tenho um token (representação digital de um ativo) que vale um pedaço de determinado recebível ou crédito. O nosso projeto na verdade é a conexão entre os dois tipos de token — explicou.
Uma das empresas internacionais selecionadas no Lift, a Giesecke+Devrient é de origem alemã e atua na área de tecnologia em finanças. O projeto procura possibilitar a transferência de dinheiro mesmo quando as duas pontas da operação estão off-line.
De acordo com a empresa, a transação ocorreria a partir de um protocolo que processaria os pagamentos de contas que estão mutuamente autorizadas e também poderá ser feito por cartões e “wearables”, como relógios digitais.
Com o desenvolvimento desses projetos, o Banco Central tenta viabilizar que ao lançar o real digital, as soluções inovadoras já estejam prontas para serem ofertadas aos clientes, facilitando tanto as transações do dia a dia como possibilitando produtos completamente novos.
Conheça os primeiros projetos para o real digital
Aave
- O projeto consiste em criar um fundo com recursos de poupadores (pool de liquidez) com foco em oferecer empréstimos e garantir que essas operações estejam adequadas às leis do sistema financeiro nacional
Banco Santander Brasil
- Ao converter o direito de propriedade de um veículo ou imóvel para formato digital (um token), a instituição pretende possibilitar que a transferência desse direito ocorra simultaneamente ao pagamento. O objetivo é aumentar a eficiência desse tipo de transação.
Febraban
- O trabalho da Federação Brasileira de Bancos pretende permitir que a transferência do dinheiro em compras de ativos financeiros digitalizados, como debêntures, ocorra ao mesmo tempo que a transferência do direito de propriedade. A ideia é aumentar o grau de confiança na transação, conta Leandro Vilain, diretor executivo de Inovação, Produtos e Serviços Bancários da entidade.
Giesecke + Devrient
- A empresa alemã propõe um sistema de pagamentos e transferência que permita que tanto o pagador quanto o recebedor estejam desconectados da internet. O protocolo criado possibilita a transação entre carteiras digitais mutuamente autorizadas e também evitar que o dinheiro seja perdido.
Itaú Unibanco
- A ideia é usar o método pagamento contra pagamento (PvP) para que as pessoas e empresas consigam trocar o Real pelo peso colombiano em um processo em que a transferência das moedas aconteça simultaneamente.
Mercado Bitcoin
- Em conjunto com a Fundação CPQD e a Bitrust, o Mercado Bitcoin vai desenvolver uma stablecoin atrelada ao Real que deve facilitar a compra de ativos financeiros, como um precatório ou criptoativos.
Tecban
- Pensando no comércio eletrônico, a TecBan desenvolve uma solução que mistura o real digital com o conceito de internet das coisas. A ideia é criar uma rede de armários programáveis que poderão receber as encomendas feitas on-line. O cliente então usará a moeda digital para fazer o pagamento na hora e coletar o produto.
Vert
- Associada à Digital Asset e com suporte da Oliver Wyman, a Vert trabalha com a ideia do dinheiro programável para financiamento rural. O conceito é de recursos que são destinados a algum uso específico ou que tenha algumas condições para seu gasto. Com isso, o monitoramento e fiscalização dos financiamentos ficam mais simples.
Visa do Brasil
- Em parceria com à Consensys e à Microsoft, a Visa propõe uma solução de plataforma que permita que as pequenas e médias empresas brasileiras consigam interagir com o mercado global ae acessar propostas competitivas de financiamento.