Manobra: Fux pede devolução do voto e impede ida de Bolsonaro para a cadeia

Oficialmente, ministro diz que é “para correções gramaticais”, mas solicitação não permite publicação do acórdão da sentença, o que por sua vez não possibilita início do cumprimento da pena

Numa decisão sem sentido e que levanta suspeitas óbvias até dentro do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Luiz Fux solicitou, na última semana, a devolução de seu voto no julgamento do “núcleo crucial” da trama golpista engendrada entre o final de 2022 e o começo de 2023, atrasando a publicação do acórdão que formaliza a sentença. A justificativa oficial apresentada por Fux é a “necessidade de realizar ajustes gramaticais” no documento, mas a manobra tem gerado questionamentos, já que ela impede o avanço da finalização do processo que levará à prisão o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e os outros sete cúmplices condenados em 11 de setembro.

O acórdão, documento essencial que consolida o resultado do julgamento e dá início ao prazo para recursos das defesas, depende da entrega de todos os votos dos ministros da Primeira Turma do STF. Enquanto os demais magistrados já enviaram seus votos à Secretaria Judiciária ao longo de outubro, Fux, que foi o primeiro a apresentar seu voto no início do mês, pediu sua devolução para supostas correções. Com isso, a finalização do acórdão segue sem previsão, travando o andamento do processo.

De acordo com o regimento interno do STF, a publicação do acórdão deve ocorrer em até 60 dias após o julgamento. Caso o prazo seja descumprido, a Secretaria Judiciária pode utilizar a transcrição dos votos lidos durante a sessão. No entanto, a demora na entrega do voto revisado por Fux adia indefinidamente esse marco processual, essencial para que as defesas apresentem embargos em até cinco dias após a divulgação do documento.
O atraso gerado pela decisão de Fux impacta diretamente a possibilidade de prisão de Bolsonaro, condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por crimes contra a democracia. A jurisprudência do STF determina que a prisão definitiva só ocorre após a rejeição de um segundo embargo das defesas, etapa que depende da publicação do acórdão. Assim, a demora na liberação do documento pode postergar a execução da pena, inicialmente aguardada para o final deste ano.

Dois juristas consagrados sobre esse procedimento adotado pelo ministro Luiz Fux. Eles dizem que, em tese, embora seja algo discutível, Fux teria um prazo de no máximo 60 dias para a devolução do voto à secretaria do STF. Os dois, no entanto, não acreditam que o magistrado se prestaria a tal papel, e preferem crer que ele entregará de volta o documento em alguns dias.

Fux, único ministro a votar contra a condenação de Bolsonaro, apresentou um voto extenso, com 429 páginas, dedicando mais da metade do texto a fundamentos teóricos sobre os cinco crimes imputados aos réus. Ele defendeu que as ações do ex-presidente após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições não configuraram tentativa de golpe contra o Estado Democrático de Direito, mas apenas uma inconformidade com o resultado eleitoral. O ministro, no entanto, votou pela condenação de outros réus, como o tenente-coronel Mauro Cid e o ex-ministro Walter Braga Netto, por crimes relacionados à abolição do Estado Democrático, algo totalmente sem sentido lógico.

A atitude de Fux, que passou 13 horas lendo seu voto durante o julgamento, um dos mais longos da história do STF, reforça a percepção de que sua solicitação de revisão pode ter motivações além das correções gramaticais declaradas. Nos bastidores do Supremo, a demora na entrega do voto finalizado é vista como uma estratégia para retardar o desfecho do caso, mantendo Bolsonaro fora da prisão por tempo indeterminado.