Depois da condenação e início do cumprimento da pena de prisão pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tem se desenhado a perspectiva de apagão político da imagem dele no cenário político-institucional brasileiro, por parte até mesmo de apoiadores que já vinham se engalfinhando abertamente pelo controle do seu espólio eleitoral, apostando fichas na vitimização ou martirização do líder das forças de direita no cenário nacional. Na linha do “rei morto, rei posto”, já há os que se afastam dele e a própria direção nacional do PL suspendeu suas atividades partidárias e remuneração, cumprindo efeitos da decisão judicial da prisão. Se Bolsonaro não chega propriamente a ser esquecido, até porque estão recentes os fatos que culminaram com sua prisão em regime fechado, é certo que o ex-presidente também já não é mais massificado como antes, quando ele próprio esteve à frente de manifestações que buscavam confrontar poderes constituídos. Contribui para agravar a situação de isolamento o fato de que Bolsonaro está inelegível até 2060, depois de ser condenado a 27 anos de prisão, com nove eleições presidenciais até lá. Só a família é fiel na queda.
Os analistas têm chamado a atenção para o pouco impacto junto aos apoiadores de Bolsonaro da concretização de sua prisão, não havendo registro de manifestações de rua ou de acampamentos em portas de quartéis, como se deu em passado recente quando o ex-presidente tornou público o seu inconformismo com o resultado da derrota na campanha à reeleição em 2022 e passou a desafiar autoridades do Supremo Tribunal Federal e ministros do Tribunal Superior Eleitoral, denunciando em caráter internacional uma suposta fraude do processo eletrônico das urnas no Brasil. Naqueles tempos, o ex-presidente tentou vender à sua bolha que havia condições de contestação do resultado desfavorável das urnas e que essa reversão permitiria a Bolsonaro continuar no poder. Foi um dos inúmeros erros de primarismo político cometidos pelo bolsonarismo, às voltas com espetáculos tragicômicos de adoração a pneus de tanques militares e sessões de exorcismo político de toda ordem, indicando uma crença em intervenção militar contra o processo democrático.
A democracia sobreviveu a esses expedientes esdrúxulos que intentavam solapá-la e Jair Bolsonaro, acabrunhado, não passou o cargo ao sucessor Luiz Inácio Lula da Silva, num ato pueril de falta de educação política. A partir daí, consequentemente já fora do poder, o bolsonarismo passou a engendrar toda espécie de sortilégios e orquestrações para tentar desmoralizar o Supremo Tribunal Federal e impedir avanços em mais uma gestão do presidente Lula e do Partido dos Trabalhadores. Essas ações, entretanto, ficaram somente no tumulto, na agitação de rua, porque, concretamente, não estavam ancoradas em estruturas que destronassem o presidente eleito, além do que contrariavam absurdamente a Constituição e feriam de morte o Estado Democrático de Direito no Brasil. Por parte da sociedade começavam a ecoar os sintomas de exaustão com a polarização ideológica que retirou da sombra os políticos de direita e, mesmo, os fascistas até então enrustidos na proteção da máquina de poder bolsonarista vigente. Bolsonaro não agregou adeptos à sua cruzada, ficando confinado à bolha residual que votou nele.
Em análise feita no site “O Antagonista”, Maurício Locks identifica uma estratégia do Judiciário para retirar Jair Bolsonaro de circulação sem gerar comoção nacional, e afirma que isto só funcionou porque houve consentimento, ainda que silencioso, dos partidos políticos. Esse alinhamento institucional abriu espaço para uma operação discreta, planejada e com baixo potencial de mobilização. Ao contrário de Bolsonaro – diz o articulista – Lula foi preso em outro contexto e soube transformar o episódio em capital político. À época, vivia seu pior momento, o partido dos seus sonhos estava fragilizado, apoio popular reduzido e um ambiente de desgaste acumulado. Ainda assim, tinha algo que Bolsonaro não tem hoje. Lula se refugiou em um sindicato, um dos últimos pilares sociais e organizacionais que permaneciam ao seu lado, sob o controle do PT, negociou sua entrega e a transformou em ato político, com trio elétrico, discurso e mobilização nacional.
Bolsonaro vive situação distinta. Tem apoio popular ainda expressivo e aparece em alta nas pesquisas, mas carece de uma estrutura organizada. Não possui sindicato, não possui base partidária sólida e não controla um aparato institucional capaz de transformar a sua prisão em um grande evento político. Essa ausência de musculatura organizacional permitiu que o Judiciário adotasse uma estratégia de “prisão silenciosa”, reduzindo deliberadamente a possibilidade de comoção. Com isso, sem convulsão social ou grandes manifestações, críticos passaram a sustentar a narrativa de que Bolsonaro estaria perdendo relevância, contudo, numa análise mais cuidadosa, o que se evidencia é outro fenômeno: sua fragilidade estrutural. Falta-lhe aquilo que Lula tinha, mesmo em seu pior momento: uma rede orgânica, robusta e disciplinada. No médio prazo, a ausência da estrutura tende a se tornar o principal desafio para qualquer tentativa de reconstrução estratégica do bolsonarismo. O pleito de 2026 será um bom termômetro para mensurar a quantas anda a bolha bolsonarista remanescente e ferida com a prisão do seu líder, ou mito, como essa bolha proclama.






