Casamento em crise
Autor do livro “E a Verdade vos Libertará”, o jornalista Ricardo Alexandre explicou em uma entrevista recente que o evangélico médio frequentemente preferirá o que o pastor diz ao que está escrito na Bíblia. Mas —eu acrescentaria— se a disputa for entre a igreja e o pastor, a igreja vence. E evangélicos estão cansados da politização de seus espaços de fé.
Primeiro vamos definir de quem estamos falando. Para o pastor Alexandre Gonçalves, pentecostais de igrejas pequenas das periferias são, entre os evangélicos, os eleitores mais pragmáticos. Eles preferem o candidato que defende os valores da família tradicional, mas se ressentem quando Bolsonaro se apresenta como um adolescente grosseiro e truculento.
Críticas ao presidente não têm vez nos espaços vigiados das igrejas. Para a socióloga Manuela Löwenthal, que estuda as relações entre religião e política no Brasil, “denúncias sobre o presidente circulam em ambientes progressistas. Evangélicos não ficam sabendo dessas notícias e, se ficam, entendem que são fake news ou relativizam o conteúdo dizendo que existe extremismo em todos os lados.”
Mas se esta última semana for exemplar de como será a reta final do primeiro turno, evangélicos precisarão respirar fundo para “perseverar na fé” pelo presidente.
O desfile do bicentenário da independência se tornou um desfile de notícias sobre misoginia e agressividade. A começar pelo coro de “imbrochável” que o presidente puxou. Em seguida, ele comparou, de maneira grosseira, a aparência física das primeiras damas.
Em termos de violência, houve o assassinato do petista no MS a golpes de faca e machado, os ataques de bolsonaristas —que se diziam armados— às comitivas de Guilherme Boulos e Ciro Gomes durante campanha nas ruas. E uma briga em uma igreja na Paraíba que, por pouco, não termina em tiro.
E no final de semana houve o caso do empresário bolsonarista de Itapeva (SP) que gravou um vídeo dizendo a uma idosa que ela deixaria de receber cesta básica por votar em Lula.
Fora do ambiente vigiado das igrejas, certezas dão lugar a dúvidas e ao medo. Por isso, quem aceitou falar comigo sobre eleições pediu para não ser identificado, por receio de sofrer represálias.
Uma evangélica para quem eu mandei o vídeo do empresário de Itapeva, reclamou que eu estaria distribuindo fake news: “É ridículo, ninguém ganha voto fazendo isso.” Ao saber que a notícia era verdadeira, ela reagiu: “Será que as pessoas estão ficando burras? Se for realmente isso, a gente terá mesmo que escolher o menos pior.”
Um pastor pentecostal relativizou o tema da violência contra Boulos e Ciro citando casos semelhantes protagonizado por petistas. Mas classificou o assassinato no MS como algo “horroroso” e a comparação entre as primeiras damas como um “golpe baixo” que não deveria vir de quem ocupa a presidência da República.
Ele disse ainda que não decidiu em quem vai votar. “Não voto de jeito nenhum no Lula… [mas] posso até me acovardar como Pôncio Pilatos, lavar minhas mãos e jogar a bola para a galera.”
Uma pastora e teóloga pentecostal registrou uma mudança na percepção da mãe, uma evangélica de 80 anos, apoiadora de Bolsonaro em 2018 contra o PT. “Desde o início deste ano vi que ela mudou o discurso em relação ao presidente dizendo: ‘Que homem ruim, que trata mal as mulheres e tem uma boca suja! Isso não é ser evangélico.'”
Uma antropóloga que estuda mulheres evangélicas não viu notícias sobre falas machistas e sobre atos de violência relacionados à campanha bolsonarista circulando em grupos de WhatsApp. Mas “a pauta da corrupção no governo Bolsonaro tem surgido e causado divergências entre elas”.
Essas falas exemplificam fissuras que podem levar a uma narrativa favorável ao voto nulo: “Nenhum dos dois me representa”.
É difícil saber quantos evangélicos consideram a possibilidade de anular seu voto. Segundo o último levantamento do Datafolha, 21% dos eleitores desse segmento não preferem Lula nem Bolsonaro. Só entre eles há 8,8 milhões de votos.