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PL da Dosimetria pode beneficiar condenados por crimes como exploração sexual

Como alternativa à anistia aos envolvidos nos atos de 8 de Janeiro, a Câmara dos Deputados aprovou o chamado PL da Dosimetria, projeto que altera dispositivos do Código Penal e da Lei de Execução Penal. A proposta segue agora para análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, cercada de críticas e alertas sobre possíveis efeitos colaterais no sistema penal brasileiro.

O projeto reduz critérios para progressão de pena e modifica regras de cálculo em casos de concurso de crimes, o que pode beneficiar diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro, seus aliados e manifestantes condenados pelos ataques às sedes dos Três Poderes. No entanto, especialistas em Direito Penal avaliam que o texto abre brechas capazes de alcançar condenados por outros crimes, inclusive delitos graves não relacionados ao 8 de Janeiro.

Atualmente, a progressão mais branda de regime — com cumprimento de 16% da pena — é aplicada apenas a crimes sem violência ou grave ameaça. O PL inverte essa lógica e transforma os 16% em regra geral para a maioria dos delitos, mantendo exceções apenas para crimes como hediondos, feminicídio e atuação em milícias. Para penalistas, a lista de exceções é limitada e deixa de fora uma série de crimes previstos no Código Penal.

Segundo o advogado criminalista e professor Cristiano Lázaro, o Direito Penal é regido pelo princípio da legalidade, o que significa que apenas as exceções expressamente previstas na lei podem ser aplicadas. Assim, todos os crimes não listados ficariam automaticamente submetidos à regra mais branda. Nesse cenário, delitos como exploração sexual, favorecimento à prostituição e coação no curso do processo poderiam ter progressão antecipada de pena.

Outro ponto sensível do projeto trata da remição da pena em regime domiciliar. O texto permite que condenados em prisão domiciliar reduzam o tempo de pena por meio de trabalho ou estudo, algo que hoje não está previsto na legislação. Para especialistas, a mudança não tem paralelo no ordenamento jurídico brasileiro e pode gerar questionamentos constitucionais.

O PL também altera a forma de punição em casos de crimes cometidos em um mesmo contexto, como os delitos contra o Estado Democrático de Direito. Hoje, as penas são somadas. Pela nova regra, aplica-se apenas a pena do crime mais grave, com aumento de um sexto até a metade. A proposta determina essa unificação mesmo quando houver intenção distinta para cada crime, o que gera forte controvérsia jurídica.

Além disso, o texto cria um atenuante específico para crimes cometidos em contexto de multidão, reduzindo a pena de um terço a dois terços para réus que não tenham financiado os atos nem exercido papel de liderança. A medida é vista como direcionada aos participantes dos ataques de 8 de Janeiro.

Para o professor Frederico Horta, da UFMG, a proposta pode até contribuir para penas mais proporcionais, mas corre o risco de se espalhar para outros casos por força do princípio da igualdade. Já críticos afirmam que o projeto pode provocar um “efeito cascata”, beneficiando condenados por crimes diversos e ampliando disputas judiciais.

Aprovado na Câmara por 191 votos a favor, 148 contra e uma abstenção, o PL da Dosimetria ainda pode sofrer alterações no Senado. Caso seja modificado, o texto retorna à Câmara. Se aprovado integralmente, segue para sanção presidencial, podendo ser vetado total ou parcialmente. Especialistas não descartam que, se virar lei, a proposta seja questionada no Supremo Tribunal Federal quanto à sua constitucionalidade.

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