Por que governo Lula não ‘torce’ por prisão de Bolsonaro (agora)?

Segundo pessoas próximas a Lula, governo avalia que prisão de Bolsonaro antes de julgamento no STF alimentaria discurso de perseguição do ex-presidente e criaria ruído em meio a tarifaço de Trump

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), principal adversário do presidente Lula (PT), é apontado como um dos responsáveis pelo tarifaço de 50% sobre produtos brasileiros anunciado pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A carta enviada por Trump ao governo brasileiro ameaçando a imposição das tarifas, alega que Bolsonaro está recebendo tratamento injusto pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Bolsonaro é réu no processo que tramita no STF por tentativa de golpe de Estado e, desde a semana passada, está usando tornozeleira eletrônica e impedido de usar redes sociais.

Mas por mais que possa parecer contra intuitivo, segundo pessoas próximas do círculo presidencial, o governo não estaria torcendo por uma eventual prisão de Bolsonaro antes do seu julgamento pelo STF.

Três integrantes do governo ouvidos em caráter reservado relataram porquê uma prisão de Bolsonaro antes do julgamento pelo STF não interessaria ao governo:

  • ela poderia alimentar a retórica de perseguição política adotada pelo ex-presidente e seus aliados e fortalecer Bolsonaro;
  • ela poderia criar ruídos ainda maiores em meio à tentativa do governo de negociar as tarifas de Trump

A possibilidade de uma prisão iminente de Bolsonaro passou a ser especulada em Brasília nesta semana depois que o ministro Alexandre de Moraes cobrou explicações à defesa de Bolsonaro sobre sua participação em entrevistas e transmissões em redes sociais.

Na semana passada, Moraes havia determinado que Bolsonaro usasse tornozeleira eletrônica e o proibiu de acessar a redes sociais, inclusive por meio de terceiros.

O argumento para a decisão era de que ele estaria agindo, junto com o filho, para convencer o governo dos Estados Unidos a adotar medidas contrárias à soberania do Brasil no contexto das tarifas anunciadas por Trump.

No pedido de esclarecimentos feito na segunda-feira (21/07), Moraes deu 24 horas para a defesa do ex-presidente se manifestar sob pena de prisão.

A defesa de Bolsonaro respondeu antes do prazo e argumentou que o ex-presidente não havia descumprido a decisão do ministro.

A defesa alega que a publicação nas redes sociais de trechos da conversa que Bolsonaro manteve com jornalistas no prédio da Câmara dos Deputados estava fora do controle do ex-presidente.

Até agora, Moraes não respondeu à posição enviada pelos advogados do ex-presidente e, pelo menos por ora, o risco de prisão parece estar em suspenso.

O tom do governo em relação ao assunto foi dado por Lula na mesma segunda-feira, durante uma entrevista coletiva em Santiago, no Chile, ao ser questionado sobre o uso de tornozeleira eletrônica por Bolsonaro.

“É um problema da Justiça. Eu não vou dar palpite sobre a questão da Justiça. Ele está sendo julgado, está sendo denunciado, ele pode ser absolvido, ele pode ser culpado. É um problema da Justiça. Eu não me meto nisso”, disse o presidente.

Retórica de vítima

Integrantes do entorno do presidente Lula afirmam que um dos principais motivos pelos quais a prisão de Bolsonaro neste momento não seria um resultado desejado é a possibilidade de que ela poderia alimentar o que classificam como “narrativa vitimista” que, segundo eles, vem sendo adotada pelo ex-presidente.

Bolsonaro é réu no processo sobre uma suposta tentativa de golpe de Estado. O caso está caminhando para a sua fase final, no STF e o ex-presidente alega inocência.

Em suas alegações finais, a Procuradoria Geral da República (PGR) pediu a condenação de Bolsonaro a uma pena que pode superar os 40 anos de prisão. A expectativa é de que o julgamento possa ser concluído nos próximos dois meses.

Desde o início das investigações, no entanto, Bolsonaro argumenta que é vítima de uma perseguição política perpetrada por inimigos políticos e membros do judiciário, entre eles, o ministro Alexandre de Moraes.

“Não roubei os cofres públicos, não desviei recurso público, não matei ninguém, não trafiquei ninguém. Isso aqui é um símbolo da máxima humilhação em nosso país. Uma pessoa inocente. Covardia o que estão fazendo com um ex-presidente da República. Nós vamos enfrentar a tudo e a todos. O que vale para mim é a lei de Deus”, disse Bolsonaro na segunda-feira (21/07), durante ida ao Congresso Nacional.

Na avaliação de um interlocutor do governo, Bolsonaro e seus aliados estão amplificando esse discurso a partir de manifestações como a ida dele ao Congresso Nacional nesta semana, quando ele exibiu sua tornozeleira eletrônica ao público presente no local, levando Moraes a cobrar explicações.

Esse movimento poderia, em tese, minimizar a percepção captada pela pesquisa de opinião pública feita pela empresa Quaest na semana passada sobre como as tarifas de Trump impactaram negativamente a família Bolsonaro, que celebrou o anúncio.

A pesquisa mostrou que 44% dos entrevistados avaliam que Lula estaria agindo corretamente diante das tarifas, enquanto apenas 29% tinham essa avaliação em relação a Bolsonaro e seus aliados.

A pesquisa mostrou ainda que 57% dos entrevistados afirmaram que Trump não tinha direito de criticar o processo no qual Bolsonaro é réu.

A crítica à decisão de Moraes em relação a Bolsonaro, especialmente sobre a proibição do uso de redes sociais, não ficou restrita apenas a militantes bolsonaristas.

Em entrevista à BBC News Brasil na semana passada, o advogado e professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) no Rio de Janeiro, Thiago Bottino, criticou a decisão do ministro.

“Tornozeleira eletrônica, recolhimento domiciliar noturno e durante o final de semana, proibição de contactar determinadas pessoas. Todas essas [medidas] estão na lei. Proibição de usar rede social não está”, disse.

Um monitoramento sobre manifestações em redes sociais feito pela Quaest após a operação da semana passada contra Bolsonaro apontou, no entanto, que 59% das menções sobre o assunto eram favoráveis à operação, enquanto 41% defendiam o ex-presidente.

Os números indicariam uma reversão na queda de popularidade do governo Lula causado pela reação dos brasileiros ao tarifaço de Trump e ao que tudo indica, o governo não quer correr o risco de perder o “bom momento”.

Um dos interlocutores de Lula ouvido pela BBC News Brasil afirmou que o melhor cenário para o governo seria aquele em que Bolsonaro passe pelo julgamento no STF antes de a ser preso, caso considerado culpado.

Segundo ele, a ideia é que, submeter Jair Bolsonaro ao rito do julgamento completo, incluindo eventuais recursos, mostraria ao eleitorado indeciso que o ex-presidente não foi submetido a uma perseguição política, como defendido por Bolsonaro e seus aliados.

O foco, segundo ele, é no eleitorado indeciso porque a fatia de eleitores que hoje apoia o ex-presidente dificilmente mudaria de opinião durante e após o julgamento de Bolsonaro.

Um ministro de Estado também ouvido pela BBC News Brasil em caráter reservado disse que o governo pretende se manter distante do julgamento de Bolsonaro.

Segundo ele, Lula orientou todos os seus colegas de ministério a evitarem manifestações sobre o andamento do processo de Bolsonaro, especialmente após a decretação do uso de tornozeleira eletrônica feita por Moraes.

Outro integrante disse que, internamente, o governo não está fazendo cálculos políticos baseados na possibilidade de Bolsonaro ser preso agora.

Ele diz, no entanto, que há preocupação de que Bolsonaro poderia adotar um tom de suposta provocação às ordens do STF e acabar “cavando” sua própria prisão e, com isso, criar mais instabilidade.

Ruído em meio a tarifaço

O segundo motivo apontado pelos interlocutores ouvidos pela BBC News Brasil para que a prisão de Bolsonaro antes do julgamento não fosse desejada pelo governo é o de que ela poderia tumultuar ainda mais o processo de negociação que o Brasil tenta estabelecer com os Estados Unidos para mitigar ou evitar o tarifaço anunciado por Trump.

Um membro do governo ouvido pela BBC News Brasil afirmou que, embora o governo não tenha ingerência sobre o processo de Bolsonaro no STF, uma eventual prisão do ex-presidente neste momento poderia ser interpretada em Washington como uma provocação do Judiciário brasileiro ao governo americano e isso poderia atrapalhar as tentativas do governo de estabelecer canais de comunicação com a administração Trump.

Segundo ele, o momento seria de evitar o que classificou como ruídos desnecessários em meio à dificuldade de interlocução com o governo americano.

A carta em que Trump anunciou as tarifas ao Brasil e as manifestações subsequentes do governo americano vincularam as tarifas ao suposto tratamento injusto ao qual Bolsonaro estaria sendo submetido no Brasil.

Trump classificou o processo de Bolsonaro como uma “caça às bruxas” que deve parar “imediatamente”.

Em uma carta de Trump enviada ao ex-presidente brasileiro na semana passada, o presidente americano voltou a defendê-lo ao vincular as tarifas ao seu julgamento.

“Manifestei veementemente minha desaprovação, tanto publicamente quanto por meio de nossa política tarifária. É minha sincera esperança que o Governo do Brasil mude de rumo, pare de atacar oponentes políticos e acabe com seu ridículo regime de censura. Estarei observando de perto”, diz um trecho da carta.

Um outro sinal de contrariedade do governo americano em relação ao andamento do caso de Bolsonaro foi o anúncio da cassação dos vistos de viagem do ministro Alexandre de Moraes e “de seus aliados”, no mesmo dia em que Bolsonaro foi obrigado a usar tornozeleira eletrônica.

“A caça às bruxas política do ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, contra Jair Bolsonaro criou um complexo de perseguição e censura tão abrangente que não apenas viola os direitos básicos dos brasileiros, mas também se estende além das costas do Brasil para atingir os americanos”, disse o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio ao anunciar as sanções.

Em entrevista à BBC News Brasil, o brasilianista Brian Winter, editor da revista Americas Quarterly, disse acreditar que Trump reagiria a uma eventual prisão de Bolsonaro.

“Sem dúvida. Se isso acontecer, acho que o presidente Trump usará todas as ferramentas à sua disposição”, disse.

Informações da BBC Brasil