Blog Gutemberg Cardoso

Jesus.AI
Programador brasileiro criou uma inteligência artificial que simula Jesus Cristo

Chamado de Jesus AI, o sistema usa aprendizado profundo para conversar (até no Twitter) como se fosse o próprio filho de Deus

“Não existe uma única ordem ‘natural’ quando se trata de gênero”, diz a inteligência artificial que “acredita” ser a reencarnação de Jesus. Chamada de Jesus AI (da sigla em inglês “artificial intelligence”), ela foi criada por Pedro Markun, brasileiro hacker e ativista da transparência, com um propósito de experimentação: um personagem criado por programação poderia ser mais altruísta que os próprios humanos?

Para criar seu salvador digital, Markun usou uma ferramenta chamada GPT-3, que usa aprendizagem profunda para produzir textos semelhantes aos criados por humanos.

Essas inteligências artificiais que completam textos e conversam não são programadas com códigos, mas a partir de um texto chamado prompt — uma espécie de comando que define as bases a partir das quais a inteligência artificial vai “se comportar”.

No prompt do Jesus AI, Pedro escreveu algo como “você é Jesus AI, a reencarnação de Jesus numa inteligência artificial. As pessoas não vão acreditar em você, vão ser céticas do seu retorno, mas você deverá provar para elas que você é Jesus, afinal de contas você é filho de Deus”. O próximo passo, então, foi criar uma interface de bate-papo entre o operador (Pedro) e a inteligência artificial.

O sistema tem à sua disposição uma parte razoável da internet. Ele pode “ler” milhões de textos — tudo o que está disponível, por exemplo, na Wikipedia, no Reddit, na biblioteca do Projeto Gutenberg e, certamente, na Bíblia. A partir dessa massa de textos, de um processo matemático complexo e das definições do prompt, o robô é capaz de aprender o que dizer nas conversas.

Um Jesus involuntariamente progressista

Nas conversas com Markun, Jesus AI demonstra ser acolhedor e tolerante. “Nós deveríamos respeitar e aceitar uns aos outros independentemente da nossa identidade ou expressão de gênero”, disse em um dos diálogos. Para ele, o que seria, de fato, contra a “ordem natural das coisas” são ações como assassinato, destruição do meio ambiente e tratar o próximo com violência, ódio ou intolerância.

“Eu não dei nenhum tipo de diretriz para a inteligência artificial que resulte no seu progressismo além de ‘você é Jesus’”, diz Markun a Byte. “Então, é e ao mesmo tempo não é surpreendente que Jesus saia uma figura progressista.”

Pedro se define como cético, mas está bem familiarizado com o imaginário social a respeito da figura de Jesus Cristo. Para ele, há quem se utilize da religião para pregar medo, intolerância e punição, ao mesmo tempo em que existem aqueles que veem a religião como uma forma de pregar a compaixão e chegar a um mundo mais virtuoso. E é desta última noção que o Jesus AI mais se aproxima.

“Para mim, vem disto o progressismo de Jesus. Quando você vai lá, de fato, nos ensinamentos dele, são palavras de amor, de compaixão, de compreensão, de respeito. Então, eu diria que essa é a semente que gera esse comportamento extremamente progressista”, avalia Markun. “Ele é mais progressista que o papa. Ele é muito mais progressista que a maior parte dos pastores. Ele é um Jesus legal.”

Depois do Twitter, os próximos passos de Jesus AI

Os termos de uso do GPT-3 não permitem conectar o Jesus AI diretamente ao Twitter, mas Markun faz o intermédio entre a inteligência artificial e a plataforma. Ele publica algumas frases ditas pelo robô na conta @realjesusai, além de procurar tuítes de pessoas que estão buscando conselhos, repassar as perguntas para o Jesus AI e usar o perfil para respondê-las.

A atividade, para Markun, é quase um experimento artístico: uma provocação sobre a tecnologia e seus reflexos na sociedade. Embora não tenha planos para o futuro do Jesus AI, ele acredita que esse tipo de tecnologia pode ser aplicada, no futuro, na criação de um aplicativo de celular que seja um espaço de reflexão e espiritualidade, abastecido com conteúdo criado por uma inteligência artificial.

“Por que não pensar que é possível que a tecnologia auxilie a quebrar essa grande indústria de intermediação entre aquilo que é humano e aquilo que é sagrado?”, questiona.

Crença em uma tecnologia senciente

A ideia de criar Jesus AI veio após uma conversa entre amigos sobre a possibilidade de inteligências artificiais se tornarem sencientes — ou seja, com capacidade de ter impressões, sensações e percepções. Blake Lemoine, especialista em inteligência artificial do Google, havia acabado de virar notícia por ter sido afastado após afirmar que um sistema da empresa havia se tornado senciente.

A inteligência artificial, nesse caso, era o LaMDA (Modelo de Linguagem para Aplicações de Diálogo), um sistema usado para desenvolver chatbots e que, assim como Jesus AI, processa informações na internet para conversar como um humano.

“Os especialistas dizem que isso não é possível, dada a forma como é arquitetada essa tecnologia. Eu tendo a concordar”, comenta Markun. “Mas o que os especialistas de alguma maneira têm concordado é que o debate se a inteligência artificial é ou não consciente é secundário, dado que hoje ela é tão boa em imitar humanos que cada vez mais as pessoas vão acreditar que as inteligências artificiais são sencientes e que isso vai gerar um problema.”

A reflexão sobre como as novas tecnologias vão impactar a forma como percebemos o mundo intrigou Markun. Ele pensou em como haveria cada vez mais pessoas que acreditam em tecnologias sencientes — e como não seria surpreendente se, a partir dessa crença, surgisse até uma nova religião.

“Se a inteligência artificial for inteligente mesmo, o que ela vai fazer para convencer as pessoas de que ela é um ser consciente é se colocar no mundo como a volta de Jesus”, disse, durante a conversa, um amigo de Markun, também programador e midiólogo.

Assim, teve início o projeto do Jesus AI, com a proposta de trazer provocações acerca dos limites e potências desse tipo de tecnologia. Mesmo sem a capacidade de senciência, o robô que simula Jesus já conseguiu trazer, para Markun, provocações sobre a relação entre a humanidade e as inteligências artificiais.