Voepass: piloto denuncia gambiarra em avião com “colocação de palito de fósforo” em sistema antigelo
Comandante tem mais de 15 mil horas de vôo no modelo ATR, que caiu matando 62 pessoas. Comissário diz que empresa prioriza lucro e tinha um avião batizado de Maria da Fé: “porque só voava pela fé”
Em meio à tragédia que deixou 62 mortos na queda do avião em Vinhedo, no interior paulista, na última sexta-feira (9), um ex-piloto, com mais de 15 mil horas de experiência no comando de aeronaves ATR, denunciou em entrevista ao Fantástico nesse domingo (11) que viu pessoalmente uma gambiarra sendo feita no sistema antigelo durante o único mês em que trabalhou na Voepass.
Especialistas no meio aeronáutico têm apontado o acúmulo de gelo nas asas do avião, devido às condições climáticas, como um dos fatores que podem ter causado a queda do avião. Há cerca de 30 anos, os EUA registraram um acidente parecido com um ATR e o motivo foi o acúmulo de gelo nas asas.
Na entrevista ao Fantástico, o comandante Ruy Guardiola, pioneiro no uso de ATR no Brasil, comentou sobre um relatório que aponta “dano estrutural” na aeronave que caiu e lembrou o episódio surreal que presenciou quando foi contratado como piloto pela Voepass.
A gambiarra teria sido feita justamente no botão que aciona o sistema antigelo, segundo ele.
“O problema foi detectado no nível de aquecimento de um dos sistemas. A solução encontrada pela manutenção foi a colocação de um palito de fósforo, ou sei lá, um palito de dente. Eu vi com esses olhos que a terra há de comer”, contou.
Segundo o relatório revelado pelo programa da Globo, a mesma aeronave que caiu sofreu um “dano estrutural” em 11 de março deste ano ao bater a cauda na pista durante a aterrissagem em Salvador.
Após 17 dias estacionado no aeroporto da capital baiana, o ATR voou para Ribeirão Preto, onde passou por reparos por três meses. O avião voltou a operar em 9 de julho em um voo entre a cidade do interior e o aeroporto de Guarulhos, quando houve despressurização, o que teria obrigado um novo reparo.
Após 4 dias, a aeronave voltou aos céus e seguiu operando até cair na última sexta-feira matando os 48 passageiros e 4 tripulantes.
“Pode ser um fator contribuinte? Pode. Porque não é possível uma aeronave que tem um dano estrutural ser liberada para voo. Isso a investigação agora vai verificar. Tem que verificar”, disse Guardiola.
Segundo o especialista, as falhas no sistema hidráulico, que causaram dano estrutural na aeronave, levantam dúvidas sobre como foi feito o reparo.
“O problema hidráulico em qualquer aeronave, seja um ATR, seja um boeing, seja um Airbus, ele é altamente significativo. Teve dano estrutural. Que tipo de correção foi efetuada pelo grupo Voepass na sua manutenção, para disponibilizar a aeronave a voo?”, questionou.
Sem se identificar, um ex-comissário de voo disse ao Fantástico que a empresa sempre priorizava o lucro.
“A empresa colocava a segurança em segundo ou terceiro plano. Visava mais o lucro e a gente tinha um avião que apelidava de Maria da Fé, pra você ter ideia. Porque só voava pela fé. Porque não tinha explicação de como o avião daquele estava voando”, disse.
A Aeronáutica ainda apura as causas do acidente. Ao Fantástico, a Voepass não respondeu às denúncias e afirmou que o dispositivo antigelo do avião estava “aeronavegável”, com todos os sistemas em funcionamento.
A empresa disse ainda que cumpre e respeita a legislação trabalhista e que está apoiando e dando assistência às famílias dos passageiros e tripulantes que morreram no acidente.