O problema da autocrítica é que ela costuma chegar tarde. No caso de Bolsonaro, demorou demais. Chegou tarde e veio pela metade. Muitos eleitores tornaram a autoanálise do presidente desnecessária. Preferem submeter sua Presidência a uma autópsia. Pela primeira vez desde a criação do instituto da reeleição, um ocupante do Planalto chega a 19 dias da eleição como candidato favorito a fazer do seu principal adversário o próximo presidente da República.
Bolsonaro diz estar arrependido de ter afirmado que não era coveiro quando foi perguntado sobre os 2.575 brasileiros que a covid havia matado. “Dei uma aloprada, sim. Eu perdi a linha. Aí eu me arrependo.” Atribuiu a alopragem à imprensa. “Eu parei de falar com a mídia porque os caras batiam na tecla o tempo todo e eu não percebo que queriam me tirar do sério.” Mentira. Bolsonaro não parou de falar. Ele deixou de ser ouvido, pois os jornalistas, exaustos de suas inverdades e agressões, se retiraram do cercadinho.
Hoje, com mais de 680 mil cadáveres no letreiro da covid, Bolsonaro não inclui no rol dos seus arrependimentos o absurdo segundo o qual os vacinados virariam jacaré. Foi figura de linguagem, ele declara. O presidente tampouco se arrepende de te receitado cloroquina. Pior: continua afirmando que o seu tratamento precoce com remédios comprovadamente ineficazes salvou muitas vidas.
Rejeitado pelo grosso do eleitorado feminino, Bolsonaro disse ter pisado na bola quando, depois de ter quatro filhos, atribuiu o nascimento de sua filha com Michelle Bolsonaro a “uma fraquejada”. Ao mesmo tempo em que exibe uma suposta penitência, o capitão repete a piada machista que leva pais desqualificados a se perguntar, diante da gravidez da mulher, se vai virar consumidor ou fornecedor.
A autocrítica de Bolsonaro tem a sinceridade do desesperado. É como se o presidente dissesse aos brasileiros, com outras palavras, mais ou menos o seguinte: “Eu garanto, como candidato, que aqueles que votarem em mim confiando no meu arrependimento logo estarão profundamente arrependidos.” uol