MPT vê aumento de denúncias de coação eleitoral de empresas sobre empregados

Grupos de procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT) têm monitorado publicações e denúncias que envolvem algum tipo de coação eleitoral a funcionários. Desde antes do primeiro turno há uma série de acusações sobre atos que vão desde ameaça de demissão ou pagamento de bônus, a depender do resultado da eleição.

O MPT ainda não tem um levantamento nacional das denúncias que recebeu, mas Adriane Reis, coordenadora nacional de Promoção de Igualdade de Oportunidades (Coordigualdade) do MPT, afirma que notou um aumento de denúncias com a aproximação da votação de domingo passado, e que se preocupa com a possibilidade de avanço deste tipo de prática com a chegada do segundo turno.

— Isso é crime eleitoral. Tem muita gente que acha que o fato de dizer que vai pagar uma bonificação num contrato de trabalho estaria fora dessa hipótese do crime. Se eu estou vinculando, eu tenho duas situações: a campanha eleitoral dentro do ambiente de trabalho, que já não pode, e o uso de uma ferramenta que, por último, se configura compra de votos — diz Adriane.

A possibilidade de crime, neste caso, é ampla, explica a procuradora.

Denúncias de coação

Uma série de casos de denúncias de coação eleitoral que foram motivos de representações ao Ministério Público depois de divulgadas em redes sociais. Todas as empresas citadas foram procuradas pela reportagem, mas não retornaram o pedido de entrevista.

— Pode ser uma ameaça direta, como é o caso de demissão, mas também o constrangimento por meio de uma promessa, como benefício ou salário.

Logo após o primeiro turno, circularam memorandos de empresas afirmando que se este resultado – com Lula à frente – se confirmar, reduzirão o orçamento para o próximo ano, o que vai acarretar em novo planejamento, com corte de pessoal e redução de investimentos, segundo denúncias. Este foi o caso, segundo as acusações, das empresas gaúchas Stara e Mangueplast.

A Stara, fabricante de máquinas agrícolas do Rio Grande do Sul, indicou que diante da “atual instabilidade política” e “possível alteração de diretrizes econômicas”, reduzirá o orçamento para 2023 em 30%. A carta foi assinada pelo diretor financeiro Fábio Augusto Bocasanta.

Executivo minimiza situação

Em vídeo, o diretor-presidente da Stara, Átila Stapelbroek Trennepohl, minimiza esta informação. Ele afirmou que esse comunicado só foi enviado a fornecedores, e que a empresa tem a prática de fazer as projeções para o ano seguinte a partir de agosto e estão revisando as projeções.

“Com relação aos nossos colaboradores, por favor, fiquem tranquilos, vamos seguir firme e forte (sic)”, disse Trennepohl no vídeo. “Muito menos queremos coagir as pessoas a votar no A ou votar no B. Somos uma empresa séria que temos responsabilidade com a nossa cadeia produtiva, nossos clientes e nossos colaborares”, afirmou.

Já a Mangueplast, de mangueiras, indicou, segundo a denúncia, que se os resultados do primeiro turno forem confirmados — ou seja, a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) — reduzirá o orçamento de 2023 em 40%.

No Paraná, a Concrevali, empresa de concreto e pré-moldados de Jardim Alegre, alerta que em virtude dos resultados prévios da eleição deverá “reduzir sua base orçamentária e o número de colaboradores para o próximo ano em pelo menos 30%”.

Oferta de bônus

No Pará, o empresário Maurício Lopes Fernandes Júnior, da Cerâmica Modelo, foi filmado oferecendo um pagamento de bônus aos funcionários.

“Nós temos que nos unir para que Lula não ganhe. Porque se ganhar, mais da metade das cerâmicas de São Miguel vai fechar. Eu sou um que tenho três cerâmicas aqui e vou fechar as três cerâmicas se ele ganhar, porque ninguém vai aguentar o pepino que vem”, disse no vídeo que circulou nas redes sociais, no qual ofereceria R$ 200 de bônus aos funcionários no caso de vitória de Bolsonaro.

Uma colaboradora da Ferreira da Costa, uma empresa de produtos para casa do Nordeste, declarou em suas redes sociais que não adiantaria pedir emprego para ela em caso de vitória de Lula. A postagem acabou acarretando na sua própria demissão. Em comunicado nas redes sociais, a empresa afirmou não compactuava com atitudes ofensivas ou discriminatórias.

“Houve uma postagem de uma colaboradora em sua rede social pessoal, que não dialoga com nossos valores. Informamos que a referida colaboradora não faz mais parte do quadro da empresa”, diz o texto divulgado pela Ferreira da Costa.

Antes da votação

Ainda durante o primeiro turno, o MPT propôs ação civil pública contra o pecuarista Cyro de Toledo Júnior, proprietário da Fazenda Água Fria, em Araguaçu, no Tocantins, por assédio eleitoral a 20 empregados. Ele prometia um pagamento de um 15º salário, caso Jair Bolsonaro fosse eleito, e dizia que se isso ocorresse no primeiro turno, pagaria um 16º salário.

O MPT pediu condenação do pecuarista e da empresa e uma multa de R$ 1 milhão a título de dano moral coletivo.

Na Bahia, Roseli Vitória Martelli D’Agostini Lins assinou um termo de ajuste de conduta (TAC) se comprometendo a não praticar atos de incitação ao assédio eleitoral. Em vídeo divulgado em suas redes sociais em agosto, ela orientava empresários do agronegócio a demitirem trabalhadores que votassem no PT. Ela dizia textualmente: “Demitam sem dó”.

Outra denúncia de coação para voto foi feita no Twitter envolvendo a Empresa Metalúrgica Imetame do ES, no vídeo que circula nas redes, o Gerente  ” se você fala que vai votar nessas pessoas, no futuro você não vai  poder reclamar” afirmava o getente diante dos empregados reunidos no galpão da empresa.

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Trabalhadoras domésticas são grupo mais vulnerável

Na análise da procuradora Adriane Reis, pode haver subnotificação dessas situações de coação eleitoral. Quatro casos relatados ao , por exemplo, não foram registrados no MPT. Todos envolvendo empregadas domésticas.

De acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a categoria é um dos grupos mais vulneráveis ao assédio e a casos de violência. Procurada, a OIT não respondeu ao pedido de entrevista.

A trabalhadora doméstica Rosane Freitas, de 57 anos, discutiu com o patrão assim que chegou no trabalho. Depois de vasculhar as redes sociais da funcionária e descobrir que ela votaria em Lula, o empregador a colocou contra a parede e ficou furioso ao ver que Rosane não mudaria de opinião.

— Achei que ele viria para cima de mim — relata Rosane.

Na Paraíba, a empregada Carla Santos, de 43 anos, conta que sempre escolheu os mesmos candidatos que a patroa, mas disse que votaria diferente em 2022. A pressão para que ela votasse no candidato da família foi tanta, que Carla deixou de ir ao trabalho e foi demitida por abandono de função.

Algo parecido aconteceu com a babá Priscila Costa, 29 anos, também da Paraíba. A doméstica decidiu ir contra a escolha dos patrões e foi ameaçada de demissão.

Ainda que o voto seja secreto, as mulheres dizem ter medo dos empregadores, porque os consideram “muito inteligentes”.

— Certamente há subnotificação. A categoria é formada por muitas pessoas que começaram a trabalhar quando crianças e não tiveram acesso à educação. A baixa remuneração também interfere nas formas de se buscar acesso à Justiça, porque essas mulheres não conhecem os canais de denúncia — explicou a procuradora.

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